Entrou em vigor nesta semana o primeiro acordo coletivo do país para empregados domésticos após a promulgação, em abril, da lei que amplia direitos da categoria. A convenção é válida em 26 municípios da Grande São Paulo -como Barueri, Cotia, Guarulhos e Osasco. Trabalhadores da capital e cidades do ABC não participaram do acordo. Mas essa medida pode aumentar os questionamentos na Justiça. Ao menos é o que acredita o juiz Daniel Rocha Mendes, diretor da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da Segunda Região.
O texto estabelece, por exemplo, piso salarial de R$ 1,2 mil para o doméstico que dorme no emprego. Já a que não dorme o valor é de R$ 755. “O principal problema é como controlar a jornada e horas extras”, disse.
Ele lembra que a lei não obriga, por exemplo, que empresas com menos de 10 funcionários tenham um controle de ponto. O advogado Mauricio Corrêa da Veiga, especialista em direito do trabalho, concorda, e completa: “Ao contrário do andam sugerindo por aí, o empregador doméstico não precisa adotar controle de jornada. O parágrafo 2º do artigo 74 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que é obrigatório o controle de jornada para os estabelecimentos que possuam mais de dez empregados. Se a empregada postular o pagamento de horas extra é ônus dela comprovar a jornada extraordinária, uma prova bem difícil em se tratando de doméstico”.
O juiz explica, também, que a convenção tem poder de lei na base territorial em que se aplica. Só não poderá entrar em conflito com matérias que ainda precisam de regulamentação pelo Congresso.
Retrocesso
O professor da pós-graduação da PUC-SP e mestre em Direito do Trabalho, Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, é mais enfático na crítica acerca do novo acordo: é um retrocesso.
“A redação acaba por gerar mais gerar mais dúvidas que sossego no seio da sociedade. É um salário complessivo que unifica, sem detalhar, os valores a receber, como horas extras e adicionais, além do salário. Trata-se de uma espécie de salário repudiado por toda doutrina e jurisprudência consolidada do próprio Tribunal Superior do Trabalho. Isso significa um retrocesso, pois dormindo o empregado no emprego, nos termos do instrumento coletivo, se pagará um valor fixo, ainda que se exija horas extras e labor noturno, portanto contrário a própria Emenda Constitucional. Noutras palavras, se vitória foi a conquista do pagamento de horas extras e noturnas, o instrumento cuidou de retroceder”, explica.
Ainda de acordo com o professor, a convenção dispõe a cláusula de transferência “de forma bizarra”, confundindo na espécie o instituto do adicional de transferência, determinando pagamento ainda que em viagens ou transferência definitiva.
“Confunde também a alimentação concedida no trabalho com aquela da cesta básica, que visa permitir a melhor alimentação na residência do empregado, excluindo uma se concedida a outra. Além disso, obriga o Estado (que sequer é signatário do instrumento) ao direito do benefício do auxílio-creche, o que com todo respeito, é cláusula sem efeito”, avalia.
Freitas Guimarães alerta que todas as compensações de horários, inclusive de intervalo de trinta minutos, banco de horas previstas na convenção, ao contrário do texto proposto para regulamentar a Emenda Constitucional, que visa facilitar a vida do empregador e do empregado doméstico, necessitam da autorização sindical. “O que torna evidente o interesse sindical em dificultar a relação entre empregados e empregadores domésticos e adquirir associados”, conclui.
Ig